Todos os dias contactamos e convivemos
com eles, mas a imagem que temos do indivíduo psicopata está
marcadamente desfocada da realidade e assente em "clichés". Nem todos os
psicopatas são criminosos violentos, qual Hannibal Lecter! Podem ser
encontrados em todo o lado, nos locais de trabalho, nas relações
sociais.
A impulsividade, a falta de
sensibilidade e de arrependimento do assassino impiedoso estão
igualmente presentes mas dissimuladas por ambição e sucesso
profissional. Têm um forte "drive" para o poder. Loquazes, bajuladores e
manipuladores, facilmente convencem acerca dos seus objectivos e das
suas capacidades de chefia.
Desprovidos de ressonância emocional,
apenas vibram com a vertigem do seu sucesso, seja na concretização de um
projecto megalómano, seja na humilhação de um subordinado. Graças às
características da sua personalidade prosperam nas organizações,
empresas e serviços onde impera a procura de resultados rápidos por
profissionais que tomem decisões sem vacilar.
Recentemente, este fenómeno tem vindo a
ser seguido atentamente nos Estados Unidos, onde algumas grandes
empresas, após um crescimento e ascensão notáveis, se defrontam agora
com sérios problemas de credibilidade financeira e empresarial,
motivados por investimentos megalómanos e gestões irracionais e pouco
escrupulosas. O motivo do seu descalabro tem sido apontado à contratação
ou progressão meteórica de profissionais carismáticos e ambiciosos,
sequiosos de protagonismo e poder, grandiloquentes e aduladores, que
conquistam a confiança e admiração das administrações pelas suas
propostas empolgantes e resultados mobilizadores.
Na opinião de alguns especialistas de
psicologia do trabalho, podem até ser positivos para empresa em termos
imediatos, mas com certeza perigosos a prazo. Surgindo como estrelas e
salvadores, rapidamente abusam da empresa e dos colegas, intimidando os
seus superiores, e deixando a organização "em pantanas". "Contam uma
bela história, mas são incapazes do trabalho quotidiano."
Outra faceta não menos relevante deste
tipo personalidade é o narcisismo que os atinge, fazendo-se rodear de
pessoas pouco capacitadas a quem incitam certos comportamentos e que
simultaneamente constituem uma nuvem de alianças e de falsa camaradagem
que alimentam a falta de auto-estima que caracteriza a "entourage". A
estrutura de tipo narcísica do psicopata caracteriza-se pela
auto-referência excessiva, grandiosidade, exibicionismo e dependência
excessiva da admiração por parte dos outros.
Apenas reconhecem o Outro em função da
sua utilidade. Emocionalmente frios, mentirosos compulsivos são peritos
na dissimulação e engano. Aparentemente, o que mais lhes importa são os
interesses da empresa ou organização, mas os seus únicos objectivos são o
poder, o controlo, a dominação e subjugar. Porém, quando isto se
detecta, o mal está feito.
Dada a sua incapacidade de sentir culpa e
de reconhecer responsabilidade, quando descobertos e desmascarados
continuam a mostrar total indiferença. A sua incorrigibilidade impede-os
de beneficiarem de advertência ou reeducação, podendo dissimular, mas
na primeira oportunidade voltará ao de cima o seu carácter torpe com as
falcatruas da praxe.
Estudos recentes mostram que 15% dos
executivos falseiam a sua educação e um terço de todos os seus
Curriculum vitae contêm mentiras. Para um psicopata a mentira é uma
ferramenta de trabalho. Não mente esporadicamente para se salvar de um
aperto. Mente naturalmente, como quem respira, olhos nos olhos, e sem
aparente motivo. E diz o que se espera para cada circunstância.
O interesse que tem despertado
ultimamente a psicopatia deve-se não só às pesquisas sobre as suas bases
neurobiológicas, mas também ao enorme potencial de destruição de alguns
psicopatas quando têm acesso a determinados instrumentos, sejam
científicos, tecnológicos ou organizacionais.
Trata-se do que alguns chamam um
distúrbio de personalidade anti-social, com sistemático desrespeito
pelas normas e leis. Mas, atenção, não são "doidos". São
intelectualmente intactos, sabem exactamente o que estão a fazer,
conhecem as regras, e decidem quais as suas próprias regras.
Quem controla e manipula não é
necessariamente um psicopata. Estas características existem um pouco em
cada um de nós, de forma mais ou menos saudável. É necessária a presença
de um quadro completo, presente numa vasta gama de contextos, ao longo
do tempo, sendo a sua principal característica a ausência de empatia:
não ligam se estão a lidar com pessoas, não ligam aos sentimentos delas,
se as fazem sofrer ou prejudicam - ELES NÃO SE IMPORTAM.
Todos somos capazes de adivinhar este
tipo de personalidade em múltiplas figuras públicas, desde ditadores do
passado a governantes actuais. Se o mundo da pequena e alguma grande
política é terreno fértil, o do dirigismo desportivo então… é melhor nem
falar!
E nós, serviços de saúde, centros,
hospitais, unidades diferenciadas - algumas são verdadeiras empresas -
estamos imunes? Não somos ou poderemos ser vítimas destes doentes? Estão
os hospitais preparados e alerta para diagnosticar e lidar com esta
patologia na organização? Deverão chefiar Serviços? E como tirá-los de
lá? Estarão as administrações atentas? E não estarão elas também
"infiltradas?
Não pretendendo generalizar, diria que
as organizações onde trabalhamos são tão permeáveis como quaisquer
outras às incursões destes indivíduos. Com a agravante que os prejuízos
causados se repercutem muito para além das suas vítimas directas, tendo
implicações indirectas na saúde das populações.
Este artigo não é, nem pretende ser, uma
novidade. É um alerta para um comportamento que tem vindo
progressivamente a ser identificado como responsável por perturbações
graves do funcionamento de múltiplas empresas, instituições e serviços e
à qual as instituições de saúde não são imunes. O psicopata
organizacional existe e deve ser diagnosticada a sua presença, impedindo
que a sua acção nefasta destrua pessoas e afunde serviços e
instituições.
E que frequentemente nos interrogamos sobre se os nossos destinos estão nas mãos de gente saudável…lá isso é verdade!
E que frequentemente nos interrogamos sobre se os nossos destinos estão nas mãos de gente saudável…lá isso é verdade!
Manuel Costa Seixas
Consultor em Anestesiologia Assistente Graduado do Quadro de Anestesiologia dos HUC